quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O conto de mistério que virou comédia

Ela era uma moça estudiosa, delicada, tímida, um tanto ingênua e é por isso que resolvi chamá-la de Angélica. Depois de um longo namoro que deu em nada, conheceu um rapaz muito interessante, educado, culto e de conversa especialmente agradável. Tinham os mesmos gostos e interesses, o namoro foi inevitável. Tudo perfeito, não fosse um pequeno mistério: o moço, ainda que muito falante, nada dizia sobre sua profissão e, do pouco que ela soube, só deu pra supor, mais do que concluir, que ele era oficial do Exército e trabalhava num daqueles quartéis famosos pelas torturas a presos políticos... corriam os trágicos anos da ditadura militar.

Não foi fácil praquela menina engajada, leitora de todos os textos socialistas, conviver com a incerteza, mas como de concreto ela nada sabia, foi levando: apaixonada e assustada. Um dia o rapaz sumiu sem deixar rastro, pra reaparecer dois meses depois ainda mais misterioso, magro e transtornado. Voltou só pra dizer que precisava esconder-se, sumir pra sempre e que convinha ela não soubesse do paradeiro dele... nunca mais deu notícia.

Eu só conheci essa história muito recentemente e assim mesmo por conta de uma série de coincidências, num certo momento conversávamos um assunto que permitiu a ela pedir que eu a ajudasse a encontrá-lo. O fato é que Angélica passou mais de trinta anos procurando notícia do rapaz. Outros amores, trabalho, filhos... o mistério do passado não pesou a ponto de interferir de alguma forma, mas nunca foi esquecido. Quem era? O que fez? Compactuou mesmo com tudo que ela abominava? Ou teve que desaparecer justamente por não compactuar? Por mais de trinta anos, ela leu todos os livros e textos referentes àquele período da nossa história, sempre em busca de uma palavra, uma citação, ou até de alguma descrição que o identificasse aos seus olhos atentos.

Foi aí que eu entrei nessa história que prometia um bom conto de mistério!
Tentei ajudar a encontrá-lo, procurei em vários sites, vi todas as listas, denúncias e nada!
Um dia ela abriu o jornal e deu com o nome dele impresso, bem ali ... no obituário!!! Não, ele não havia morrido!! Comunicava o falecimento da mulher e deixava um endereço eletrônico pras pessoas poderem enviar seus pêsames.

Naquela altura eu achei que o segredo seria revelado - e ele poderia ser terrível! - ou talvez visse surgir uma história de amor... na pior das hipóteses leria os lances emocionantes de um reencontro de amigos que teriam muito pra dizer um ao outro, mas jamais imaginei que acompanharia uma comédia ridícula e foi o que aconteceu.

Parece que do rapaz cheio de qualidades sobrou só a cultura, e ainda assim porque não há como perder, no mais, transformou-se num empresário inconformado com a velhice, chatíssimo, atrevido e um tanto babão! O mistério ele não esclareceu, ao contrário, tentou criar outros novos, como sempre desaparecendo por algum tempo e voltando cheio de meias palavras... exagerou e ficou tão chato que o mistério acabou enterrado junto com a lembrança dele, não no passado, mas no esquecimento mesmo! Reservada e até um pouco tímida ela ainda é, mas de bobinha não tem mais nada!

3 comentários:

Anônimo disse...

E eu aqui torcendo por um final feliz!!! Que decepção para Angélica(e para vc que tentou ajudar nénão?)Sabe Helô,há poucos meses reencontrei um amigo dos meus tempos de adolescência,quando eu morava em Recife.O reencontro,após mais de 40 anos,foi maravilhoso.Relembramos nossos tempos de bailinhos,de grupinhos de praia,amigos da época... o que não faltou foi assunto e lembranças boas.
Achar alguém num obituário deve ser mesmo uma fria rssss

Unknown disse...

que bom que a Angélica encontrou esse rapaz.kkkk... que já nem é tão rapaz assim... mas, foi bom mesmo, porque ainda deu tempo dela perceber que gastou muita vela boa com defunto ruim!! beijo!

Helô Dondon disse...

Olha Neusa, pensando bem, a fria é tal que acho até que todo mundo que reencontrasse um velho conhecido no obtuário, não sendo o falecido, devia logo enterrá-lo junto de vez!
Beijos querida

Nívia
Tá vendo? Obtuário e vela pra defunto...tudo a ver!!!