sábado, 1 de novembro de 2008

O 8017 e a Porquinha




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O caso aconteceu há muitos anos, num tempo em que no Rio de Janeiro havia casas e quintais que comportavam criação.

No início de carreira, empregada em dois hospitais públicos, Dra Neusa montou o seu primeiro consultório, estrategicamente em algum ponto ente eles e foi aí que ela entendeu que, se a medicina havia sido a escolha certa, pro comércio não tinha a menor vocação. Os clientes eram orientados a procurá-la em um dois hospitais, o que quer dizer que jamais pagavam além da primeira consulta e pior, alguns deles usavam estranhas moedas... mas é melhor que ela conte:

“Uma das clientes que transferi do consultório para o serviço público, foi no meu trabalho e levou uma leitoa para que fosse engordada para o Natal. Chegou a bichinha dentro de um saco bem fechado, só com uns furinhos para que respirasse. Eu fiquei apavorada, queria trancar no porta malas do carro mas disseram que ela morreria sem ar...então o jeito foi colocar na parte traseira do meu fusquinha, atrás do banco do carona. E lá fui eu, morrendo de medo...Ao parar em um sinal fechado de uma rua movimentadíssima, a bichinha deu um grunhido tão alto e estridente que, sem pensar e apavorada, saí do carro e corri para a calçada. O sinal abriu, uma buzinação terrível atrás de mim (de mim não, do carro que a esta altura estava abandonado no meio do trânsito), e eu tremendo na calçada achando que a dita cuja tivesse se soltado...”


Autoridade presente e atenta, o guarda de trânsito foi rapidamente em direção a ela, cara de poucos amigos, apitando a plenos pulmões e gritando: Oitenta dezessete!!! Apitando e gritando... mas acabou sorrindo com compreensão quando soube do drama e, muito gentil ...

“...foi até o carro verificar o estado da meliante e voltou me tranquilizando, garantindo que a leitoa estava bem presa e não tinha a menor possibilidade de soltar-se... Agradeci, voltei para o carro e consegui chegar em casa.
Minha mãe foi a primeira a ver e a se apaixonar pela leitoa que recebeu o nome de dona Flor. Providenciou um cercado e ali dona Flor teve seus dias de glória... o cercado era tão limpo e cheiroso que não podia ser chamado de chiqueiro. Dona Flor era cor de rosa, tomava vários banhos por dia, usava um laço no pescoço (ela tinha laços de várias cores, mas me lembro particularmente de um vermelho, que minha mãe achava combinar com a tez rosada da menina). Era igualzinha a essas leitoas de histórias em quadrinhos. Quando minha mãe chegava, dona Flor deitava e ficava esperando pelo cafuné na barriga, e lá ficavam as duas horas a fio... Um dia meu pai, alto conhecedor de culinária, achou que a leitoa estava no ponto certo de ser pururucada. Como eu pouco parava em casa não me lembro dos detalhes da morte da menina, mas lembro perfeitamente do dia em que ela foi à mesa, linda, cheia de farofa... impossível também esquecer o choro sofrido de minha mãe, correndo para se trancar no quarto pois não podia nem ver dona Flor sendo servida... Ninguém conseguiu comer ante o sofrimento verdadeiro de mamãe... terminou com a família toda chorando, solidária. Meu pai sumiu com a leitoa (depois soubemos que ele deu para um vizinho, que ficou felicíssimo com o saboroso presente), e nós provavelmente não almoçamos naquele dia. As leitoas que ganhei posteriormente, foram terminantemente proibidas de serem levadas pra casa.”

Fica a pergunta: onde terá a Neusa depositado os pagamentos em “moeda vivente” que vieram depois?